segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Japão egocêntrico

Depois de tanto tempo no Japão, agora que eu estou indo embora, chegou a hora de falar umas poucas e boas. Não considero isso uma covardia do tipo "bate e corre". O fato é que se eu ficasse pensando em todas as coisas ruins que existem nessa sociedade, eu não teria aguentado viver aqui por tanto tempo.

Aos que pensam em vir para cá a passeio: recomendo, vale a pena, principalmente para quem tem um pouco de folga no bolso, o Japão é um país que tem muito a oferecer como ponto turístico.

Por que eu acho que não é um bom país para se viver, vai levar alguns posts para falar. Vamos começar com o egocentrismo, que se vê nos indivíduos e no país como um todo.

Muita gente tem uma imagem do povo japonês como sendo muito educado, polido, o que não deixa de ser verdade. Quando a ocasião pede (obriga, ou faz conveniente), os japoneses utilizam um vocabulário próprio - keigo - que serve para se dirigir a pessoas que estão em posição superior; por exemplo, pessoas mais velhas, professores, clientes, chefes etc. Mas mesmo que a forma seja bonita e expresse respeito, o conteúdo pode dizer exatamente o contrário, e daí vira uma hipocrisia só. Saindo dessa esfera, imagine um cenário bem típico onde todo mundo é teoricamente igual: os trens japoneses na hora do rush (já devem ter ouvido falar). Nessa luta pela sobrevivência - que significa não chegar atrasado para não levar uma comida de rabo do chefe, ou chegar super cedo para ganhar uns pontos -, é cada um por si. Se não dá para sentar, o próximo alvo são as argolas penduradas do teto para poder se segurar. Só que perto das portas não há argolas nem nada para segurar, além de ter que sair e entrar do trem seguindo o fluxo de pessoas a cada estação - ou seja, perto das portas é o pior lugar. Por incrível que pareça, em vez de ir mais pra dentro, onde geralmente tem mais espaço e fica mais fácil se segurar, as pessoas empacam por ali mesmo. Por quê? Porque ninguém tem coragem (ou sei lá o que é preciso) de pedir uma licença ou ir se enfiando. Por isso perto da porta as pessoas vão sendo esmagadas (isso dói de verdade) porque uns bananas espaçosos não querem dar uma apertada, e outros bananas passivos não querem dar uma empurrada. Ninguém pensa nos outros.

Com a mais alta expectativa de vida do mundo, o Japão é um país idoso. Para ser "velhinho" aqui, tem que parecer muito velho mesmo, porque umas rugas e cabelos brancos não vão dar direito a um assento preferencial no trem. Essa seria uma boa desculpa para explicar os velhinhos de pé dentro do trem. Mas não são só os velhinhos, são as gestantes também. Com uma das menores taxas de natalidade, não é o excesso de gestantes que faz algumas delas ter que ficar de pé no trem. Uma olhadinha no assento preferencial e o que você vê: jovens e adultos aparentemente saudáveis...dormindo. Ou fingindo que estão dormindo para não cederem o lugar. Quando se trata desse tipo de falta de educação, as pessoas em volta não falam nada, não condenam. Mas eu já presenciei e ouvi falar de vários casos de estrangeiros que levaram bronca de japoneses mal-humorados por falar alto (ou seria por falar em uma língua que eles não entendem?). Aliás, nesses casos eles não pedem para falar baixo, eles simplesmente mandam calar a boca ou algo do tipo.

Essa xenofobia/hipocrisia, hoje em dia muito bem disfarçada pelos esforços do governo em trazer estudantes estrangeiros (como eu) pras universidades e professores de inglês pras escolas públicas japonesas, é atribuída por muitos ao fato do Japão ser um arquipélago relativamente isolado do continente e de outras ilhas. Até que ponto isso é verdade eu não sei. Mas a falta de conhecimento e contato com outros países e culturas é notável aqui. Além disso, como os japoneses são compostos de praticamente uma única etnia, estrangeiros e japoneses "mix" não passam despercebidos. Se só isso já faz os estrangeiros se sentirem peixes fora d'água, adicione-se uma legislação que praticamente impossibilita um estrangeiro "puro" - ou seja, sem sangue japonês nem casado com um(a) - de virar japonês, mesmo nascido e criado aqui.

Será que essa aura de "segunda maior economia do mundo" que se fixou na sociedade japonesa a deixou numa posição tão confortável que eles simplesmente decidiram que estava tudo perfeito do jeito que estava? Os brasileiros vieram em massa, foram mandados embora aos montes, "cumpriram seu papel" nas fábricas mas, com exceção de pouquíssimos, não ganharam nada além de dinheiro. Pro Japão parece que foi o ideal, já que brasileiro que não fala japonês e não dá lucro só dá trabalho. Mas pensando na população ativa japonesa, aqueles que (mais importante!) sustentam o sistema previdenciário, o governo deveria tratar a questão da imigração com mais seriedade e não como um simples tapa-buraco temporário. Não há maneira de sustentar a futura população de aposentados sem aumentar a população ativa, mas se for depender da boa vontade dos japoneses de fazerem filhinhos, acho que vai ser tarde demais.
Quem sabe daqui para frente - a começar esse ano, quando será ultrapassado pela China - o Japão se dá conta que não é só dinheiro que faz um país crescer? Que não basta criar novas tecnologias se as instituições que sustentam a sociedade continuam paradas no tempo? Eu estarei vendo de fora.